data-filename="retriever" style="width: 100%;">Minha mãe se chamava Maria, conhecida por pelo nome de Iria. Dona Iria. Minha avó materna, vó Olina, contava que o nome dela era para ser Maria Iria e que meu avô esqueceu e a registrou apenas como Maria. Ela cresceu como filha biológica única, mas com três irmãos adotivos: José, Moisés e Carmelita, adotados diante da morte dos pais biológicos deles.
Minha mãe estudou todo o Curso Elementar (Ginásio e atual Ensino Fundamental) no Colégio Santa Terezinha, (hoje, prédio do Maneco), internato e semi-internato mantido pela Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. De manhã, minha mãe tinha as disciplinas pertinentes ao curso (matemática, português, ciências, geografia, história, música, etc.). tarde, aprendia bordado, tricô, violino, educação física...Ela sempre dizia que as freiras do Santa Terezinha usavam a frase: "De manhã, se educa a mente e a alma. À tarde, se educa o corpo".
Aos 16 anos, conheceu Alfeu, meu pai. Pouco tempo depois, casaram-se e foram morar na Rua Silva Jardim, 2431. Casamento que durou quase 70 anos, interrompido pela morte dele. Minha mãe ajudou na árdua luta de sustentar uma família com dois filhos, construir uma casa própria com o ordenado de funcionário público de meu pai, que trabalhava em dois empregos. Exímia na arte de fazer doces, durante anos, os vendia sob encomenda para casamentos e aniversários. Nunca teve empregada doméstica. A família sempre recebeu ajuda, quando necessário, de meu avô materno, seu Fredolino. Como ferroviário, ganhava muito bem, podia prestar este auxílio e o fazia de bom grado.
As únicas diversões das quais me lembro eram frequentar todos os circos que chegavam a Santa Maria. Ir aos bailes mensais do Clubes de Atiradores Santamariense. E não perder as esporádicas festas do Grupo de Bolão 7 de Setembro, de cuja equipe meu pai era o "capitão", pois era exímio bolonista.
Já idosa, minha mãe estudou como aluna especial na UFSM. Engajou-se na luta política da terceira idade, sendo uma das fundadoras do grupo "Mexe Coração", com sede no Centro de Atividades Múltiplas, no Parque Itaimbé. Participou de aulas da karatê. Foi atriz de vários espetáculos de teatro, onde se revelou notável comediante. Viajou pelo interior gaúcho para apresentações. Fez parte do coral dos idosos. Frequentava aulas de natação. Enfim, teve uma vida socialmente participativa.
Esteve casada com meu pai durante mais de seis décadas de feliz união. Ficou viúva em 9 de maio de 2004, quando ele foi vitimado por complicações pós-operatórias advindas de uma cirurgia cardíaca. Viveu na mesma casa nos últimos anos de vida. Minha irmã Jane morou com ela. Acompanhada por uma atendente de idoso. Amparada por um excelente plano de saúde.
Ela sempre teve uma grande afinidade com minha mulher. Insisti até à exaustão para levá-la para a praia de Canasvieiras, onde morei por anos. Para gozar do sossego de uma praia maravilhosa no final da vida. Já estava em meus planos alugar um apartamento maior, onde ela teria a privacidade de seus aposentos. Insisti, então, para que ficasse, nem que por alguns meses durante o ano, em frente ao mar. Os percalços, os problemas, a viuvez, a distância...tudo isso poderia ser resolvido se ela aceitasse vir em definitivo. Mas a conhecia... depois, de dizer não, é não.
Contentei-me, então, com conversas telefônicas. E com visitas esporádicas a Santa Maria (levei-a duas vezes, em novembro de 2008 e 2009 para passar 30 dias na praia comigo). Infelizmente, a minha opção de morar na praia, desejo acalentado há anos, não coincidiu com a opção de minha mãe. Lamentei, mas respeitei. Em 4 de fevereiro de 2012, estive em Santa Maria para festejar os 90 anos dela, junto a parentes, vizinhos e amigos, no Restaurante Vera Cruz. Até que - maio de 2016 - depois 10 anos na praia, aos 74 anos, decidi retornar aos pagos, ficar perto dos filhos, netos, amigos, ex-alunos, meus médicos, minha cidade natal.
Faço esse revisão sentimental nesta data dedicada às mulheres. Desejo, na figura da minha saudosa mãe, homenagear a todas as mulheres, especialmente à minha esposa, filhas, nora, netas, irmã, colegas, ex-professoras, médicas, ex-alunas, leitoras, vizinhas, amigas. Sem vocês, seguramente, não valeria a pena viver.